27 maio, 2012
Não fizeram planos. Talvez um voltasse, talvez o outro fosse. Talvez um viajasse, talvez outro fugisse. Talvez trocassem cartas, telefonemas noturnos, dominicais, cristais e contas por sedex (…) Talvez ficassem curados, ao mesmo tempo ou não. Talvez algum partisse, outro ficasse. Talvez um perdesse peso, o outro ficasse cego. Talvez não se vissem nunca mais, com olhos daqui pelo menos, talvez enlouquecessem de amor e mudassem um para a cidade do outro, ou viajassem juntos para Paris, por exemplo, Praga, Pittsburg ou Creta. Talvez um se matasse, o outro negativasse. Seqüestrados por um OVNI, mortos por bala perdida, quem sabe. Talvez tudo, talvez nada. Porque era cedo demais e nunca tarde.
26 maio, 2012
24 maio, 2012
19 maio, 2012
“Aquela velha história do amigo engarrafado me era completamente aplicável, não havia companhia melhor. Porque eu não desejava conversar,pessoas se preocupam demasiadamente e eu não precisava de especulações, conversas enfadonhas e repetir tudo o que estava acontecendo comigo. Não. Eu não quero falar sobre isso. Isso o quê? Se eu tivesse noção do que era…
Tenho sentido uma enorme e discretíssima felicidade apenas por acordar cedo (acordar já é vitória; cedo, vitória dupla), fazer café, fumar um cigarro, abrir janelas, arrumar a cama. Depois, tomar um mate e ler o jornal, então, é o paraíso. Paraíso por dentro, descontadas as notícias cada vez mais e mais medonhas. Mas sempre, uma consciência da ilusão dessa loucura externa. Quando a gente “enlouquece” o problema é a leitura simbólica que se passa a fazer de absolutamente tudo. Um fósforo que não acende pode assumir a importância do fogo de Prometeu. Literalmente. Não que tudo não seja mesmo assim, só que a gente também não suporta ficar tão mítico-antropofísico-arquetípico assim. É mais simples, é mais embaixo — é tudo ilusão.
A vida tem caminhos estranhos, tortuosos às vezes difíceis: um simples gesto involuntário pode desencadear todo um processo. Sim, existir é incompreensível e excitante. As vezes que tentei morrer foi por não poder suportar a maravilha de estar vivo e de ter escolhido ser eu mesmo e fazer aquilio que eu gosto - mesmo que muitos não compreendam ou não aceitem(...)
15 maio, 2012
"Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando tiveres me cativado. O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo"
14 maio, 2012
De ontem em diante serei o que sou no instante agora
Onde ontem, hoje e amanhã são a mesma coisa
Sem a idéia ilusória de que o dia, a noite e a madrugada
são coisas distintas
Separadas pelo canto de um galo velho
Eu apóstolo contigo que não sabes do evangelho
Do versículo e da profecia
Quem surgiu primeiro? o antes, o outrora, a noite ou o dia?
Minha vida inteira é meu dia inteiro
Meus dilúvios imaginários ainda faço no chuveiro!
Minha mochila de lanches?
É minha marmita requentada em banho Maria!
Minha mamadeira de leite em pó
É cerveja gelada na padaria
Meu banho no tanque?
É lavar carro com mangueira
E se antes um pedaço de maçã
Hoje quero a fruta inteira
E da fruta tiro a polpa... da puta tiro a roupa
Da luta não me retiro
Me atiro do alto e que me atirem no peito
Da luta não me retiro...
13 maio, 2012
Olhar pela janela, vê o céu, a rua, a cidade e a vida estourando em meio a isso tudo. Analisar pequenos prazeres que não cabem mais a você usufruir. Analisar simples situações que não cabem mais a você se envolver. Ter que, mansamente, rever todos os planos que um dia você criou. Perceber que Deus ou essa ilusão de poder superir lhe esfrega na cara a inconstância da vida, um dia você tá no outro não se sabe. Rir de como você se achava superior a tanta coisa e enchia o peito de uma certa imortalidade pra momentos depois chorar por não saber como vai tá na semana seguinte.
Não ter com quem se revoltar, por mais que seu instinto humano lhe empurre com todas as forças pra essa reação. Ter que se controlar constantemente para que não sinta um gosto de inveja dos que passam pelos corredores com o mesmo peito cheio de imortalidade que você tinha até pouco tempo. Aliás, não saber que gosto se sobressai na sua boca, mas ter a completa certeza de que não é o da vitória.
12 maio, 2012
"De repente, sentada no sofá, recordei tristezas, ao lado da mala cheia de defuntos que carrego, meu olfato se aguça. De repente, não mais que de repente, meu olhar se fez cansado, minha tristeza se fez única, igual ao sabor coisas perdidas no tempo, esquecidas, como uma bandeija de morangos mofados"
São Paulo, 12 de agosto de 1987.
Querida mãe, querido pai,
Não sei mais conviver com as pessoas. Tenho medo de uma casa cheia de pais e mães e irmãos e sobrinhos e cunhados e cunhadas. Tenho vivido tão só durante tantos – quase 40 – anos. Devo estar acostumado.
Dormir 24 horas foi a maneira mais delicada que encontrei de não perturbar o equilíbrio de vocês – que é muito delicado. E também de não perturbar o meu próprio equilíbrio – que é tão ou mais delicado.
(...)
Amo vocês como quem escreve para uma ficção: sem conseguir dizer nem mostrar isso. O que sobra é o áspero do gesto, a secura da palavra. Por trás disso, há muito amor. Amor louco – todas as pessoas são loucas, inclusive nós; amor encabulado – nós, da fronteira com a Argentina, somos especialmente encabulados. Mas amor de verdade. Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito.
Querida mãe, querido pai,
Não sei mais conviver com as pessoas. Tenho medo de uma casa cheia de pais e mães e irmãos e sobrinhos e cunhados e cunhadas. Tenho vivido tão só durante tantos – quase 40 – anos. Devo estar acostumado.
Dormir 24 horas foi a maneira mais delicada que encontrei de não perturbar o equilíbrio de vocês – que é muito delicado. E também de não perturbar o meu próprio equilíbrio – que é tão ou mais delicado.
(...)
Amo vocês como quem escreve para uma ficção: sem conseguir dizer nem mostrar isso. O que sobra é o áspero do gesto, a secura da palavra. Por trás disso, há muito amor. Amor louco – todas as pessoas são loucas, inclusive nós; amor encabulado – nós, da fronteira com a Argentina, somos especialmente encabulados. Mas amor de verdade. Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito.
Assinar:
Postagens (Atom)