10 setembro, 2012

Fechado.
- Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? 
- A gente sente um pouco de medo mas não dói. 
- A gente não morre? 
- A gente morre um pouco em cada poço. 
- E não dói? 
- Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê.

Caio, filho da Puta.

.. Que podia sentir, e que sentia enfim, agora que já não havia cheiros nem formas nem gostos nem ruídos — era o contato como da mão daquele homem que ficara comigo enquanto eu partia e tornava a partir sem volta e para sempre de mim. Foi se apagando, certa luz.
Até que meus dedos finalmente mortos e rígidos se desprendessem dos dedos vivos dele, e sem a mão e mais ninguém dentro da minha eu fosse chegando aos poucos mais perto, quase dentro deste outro lado, deste outro espaço, deste outro tempo onde estou agora. E não me reconheço, sem facas nem becos. Já não éramos três, nem dois, homens nem corpos. Eu era um só, depois eu era um eu sem eu.
Eu era nenhum: navio no ar, depois do aço.
quantas vidas precisam ser vividas? quantas situações precisão acontecer? quanto se precisa sangrar pra entender que sua força é incapaz perante a da faca?
quantos gritos precisam ser dados até que alguem escute?
quantas palavras precisam ser ditas e desmentidas em atos seguintes?

"Palavras apenas
Palavras pequenas
Palavras, momento
Palavras ao vento.."

quantos ouvidos e memorias precisam ser marcadas até que o entendimento coincida com a aceitaçao?
Será que a quantidade de caminhos turbulentos é igual a quantidade de chegadas compensatórias?
Será que algum dia as tuas ideias corresponderão aos fatos?
Me procuro lenta
Nos teus escuros.
Como te chamas, breu?
Tempo.

(Hilda Hilst: Da Morte, Odes Mínimas) 

"No homem havia umidade quando estava seco, havia calor quando estava frio, no homem havia tudo o que precisava e um dia tivera e o que se fora para sempre e o que não voltaria nunca mais a ser. 
(...)
Mas com o dia avançando, as sombras ampliavam a presença do homem pela casa inteira. Essa sombra se infiltrando devagar em cada quarto jogava no rosto de cada um tudo aquilo que não haviam sido, que não haviam feito, tudo aquilo que tinham apenas ameaçado ser."

07 setembro, 2012

Mário Quintana

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento..
e a cada dia que passa, me convenço mais de que Fernando Pessoa poucas vezes teve tanta verdade no que dizia quando afirmou: Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares.